Vá fazer aquela merda que você sempre quis fazer.
Foi essa a frase que eu li, num artigo da falecida VICE, dois meses antes de completar 25 anos. O artigo, escrito por Joel Golby, se chama “25 coisas que você devia começar a fazer agora que tem 25 anos”, e fazia parte da minha pesquisa fuleira sobre o tema - queria escrever um texto sobre a fatídica idade.
Acontece que eu abri esse artigo pensando que leria mais uma daquelas listas bregas de ensinamentos sobre a vida adulta, mas saí de lá meio consternada por essa frase. Isso porque, ele não escreveu de um jeito motivacional, mas sim racional, meio que dizendo: minha filha, você é uma adulta e pode fazer o que quiser.
Aqui vai um trecho:
“Eu sempre quis ir a Nova York. “Eu sempre quis ir a Nova York”, eu digo pras pessoas, melancolicamente, normalmente quando elas voltam de Nova York. Você percebe como esse sonho é modesto e tosco? Eu podia fazer isso agora mesmo. Eu podia ir até o aeroporto e fazer isso. Isso ia custar, sei lá, uns 2 mil pilas, fora os sanduíches de bagel que eu ia comer. Se você sempre quis fazer alguma coisa, vá lá e faça essa porra de coisa. Você tem 25 anos. Quem vai te impedir?”
Aqui vale pontuar que o autor é gringo, por isso o exemplo pode ser um pouco distante das nossas realidades
É meio tosco, mas ler isso foi o que me fez tomar coragem pra, bem, fazer aquela merda que eu sempre quis fazer: viajar sozinha. E aí, eu finalmente comprei as passagens que eu tava namorando há dias. Não pra Nova York, claro, bem melhor que isso: pra Bahia!
Fazer as coisas sozinha é uma aventura que eu comecei a desbravar há um tempo. No começo, tinha um pouco de receio, por isso fui devagar. Primeiro, encarei museus e restaurantes. Depois, fui indo à cinemas e parques. Quando vi, já tinha coragem até de ir em shows sozinha. Por fim, me acostumei, a solidão já não me assustava tanto assim.
Então, decidi que era a hora de dar o próximo passo e realizar um grande sonho: fazer minha primeira viagem sozinha.
Primeiro, pensei em ir pra Ubatuba, litoral norte de São Paulo. Depois, comecei a procurar hospedagens pelo Rio. Mas, logo nesse início, percebi que procurava por lugares que já conhecia. No Rio, ainda tinha o agravante de ter grandes amigas morando lá, ou seja, sozinha, sozinha mesmo, eu não estaria.
Eu, que me conheço muito bem, logo saquei qual era a minha. Buscava conveniência.
O desconhecido sempre foi um problema pra mim, me assusta a ponto de eu ter aprendido a correr dele como um mecanismo de defesa. Meu corpo inteiro trabalha o tempo todo pra manter meus pés no chão. Virou uma configuração de fábrica. Por isso, pra pensar além, eu sempre preciso lutar contra mim mesma. E foi isso que fiz.
Foi na minha busca por lugares desafiadores que achei Caraíva. Um lugar distante, bonito, tranquilo, seguro e com uma logística infernal (tudo que eu precisava). Eu teria que pegar um avião até Porto Seguro, um uber até a balsa de Arraial D’Ajuda, a balsa para Arraial D’Ajuda, um ônibus (que só passa em horários extremamente específicos) até Caraíva, e por último, uma canoa. Era distância que você queria? Então toma!
Apesar de tudo, eu me mantive bem tranquila durante todo o período de preparação pra viagem. Bom, isso até o dia que antecedia o meu voo.
Com um milhão de pendências pra resolver no trabalho, mil e uma coisas pra comprar, uma mala pra organizar e um medo paralisante de dar tudo errado: entrei em pane. Chorava como se fosse uma criança, quis muito desistir.
É engraçado porque não achei que essa viagem mexeria tanto assim comigo. Quer dizer, eu sempre soube que sou extremamente controladora, acomodada e nada resiliente, e que, por conta disso, essa viagem seria um grande desafio pessoal. Mas, de certa forma, achei que os meus anos de terapia e os passos dados até ali tinham me preparado minimamente pra reagir melhor à situações como aquela. Não me prepararam.
Eu fiquei com muito medo, um medo inexplicável, e não sabia muito bem de quê, porque a experiência era nova a ponto de eu nem conseguir imaginar o que poderia temer. Era um espaço em branco, um futuro muito mais inacessível do que todos os meus outros futuros até ali. Apavorei.
Mas, como um presente do universo, nesse mesmo dia, eu tinha um show pra ir. Um show que eu teria até desmarcado se não fosse tão especial. Acontece que era o último show do Terno, uma das minhas bandas favoritas, antes do hiato por tempo indeterminado que eles anunciaram. Então, eu fui.
E foi uma coincidência maravilhosa ter ido a esse um show justo no dia anterior à minha viagem, pois, por causa disso, algumas músicas foram ganhando novos significados pra mim. Por exemplo, a faixa Passado/Futuro, do último álbum deles, com trechos como esse:
“Mas tem vez que o que a gente chama vontade
Fica maior e pode chamar coragem
Olhou do alto e contemplou a beleza
Saudou seu pai e mergulhou na surpresa”
“O que é que tem do outro lado do muro?”, cantava a voz eletrizante do Tim Bernardes nessa mesma canção, me fazendo sentir até um pouco de orgulho por estar prestes a atravessar o meu muro e descobrir o que tem por lá.

Enfim, pós show, ignorei a angústia, o medo, e a sensação de que eu morreria na Bahia e a minha família teria que fazer uma vakinha online pra trazer meu corpo de lá, e fui. Até porque não tinha outra opção, já tava tudo comprado.
Aqui, eu vou te poupar de todos os detalhes e te contar logo a melhor parte: o que é que tinha do outro lado desse muro.
Reaprendendo a andar
Logo na primeira noite em Caraíva, eu andava pelas ruinhas de areia sozinha em direção ao hostel. Até que, em dado momento, percebi que andava rápido demais, tentando ultrapassar as pessoas que andavam na minha frente como se estivesse em uma corrida com elas. Percebi porque, veja bem, eu conseguia ultrapassar todo mundo, era a única que andava tão rápido ali.
Mas, afinal, por que é que eu corria? Não tinha porra nenhuma pra fazer, nenhum compromisso marcado, não tava atrasada pra nada. Bom, acontece que não é tão fácil sair do automático, desacelerar do ritmo frenético de um lugar como a capital de São Paulo.
E isso eu percebia não só pelos meus pés que corriam, mas pelo meu coração acelerado sem motivo, pela minha dificuldade de contemplação e pela preocupação inerente que ainda corria em mim - uma sensação de que eu sempre estou no lugar errado.
Mas, então, comecei pelo mais simples. Ali mesmo, olhei pros meus pés e diminuí o ritmo. Um passo atrás do outro, um passo de cada vez. Eu fazia o movimento como se estivesse reaprendendo a andar. E, de certo modo, eu tava mesmo.
Mal havia chegado e Caraíva já me puxava a orelha, me mostrando como é bonito o caminhar de quem não tem pressa.

Sem passado e sem sobrenome
No hostel em que fiquei hospedada (um só para mulheres), todas as meninas que eu conheci também estavam sozinhas. Algumas já tinham esse costume. Outras, assim como eu, faziam isso pela primeira vez.
Por causa dessa característica em comum, acabaram rolando muitas conversas sobre o tema. E, por causa dessas conversas, cheguei na conclusão de que a melhor parte de viajar sozinha é que você passa a ser só você. E mais nada.
Eu explico: ir sozinha pra um lugar em que ninguém te conhece, te faz ir livre de qualquer coisa que possa te anteceder. Ninguém sabe qual é a sua profissão, o que estuda ou quem são seus pais. Ninguém conhece seu passado, seus defeitos ou seus traumas. Você é, na visão das pessoas, uma página totalmente em branco. E, por ser vista assim, acaba se sentindo um pouco assim também.
No fim, sem perceber, você mesma já não se lembra das suas mazelas. Não há espaço pra isso no tanto de coisa boa que você e as pessoas que você está conhecendo têm em comum: todas gostam de cerveja, praia, descanso, samba e risada.
Um novo tipo de liberdade
Apesar de conhecer pessoas maravilhosas em Caraíva, eu também vivi muitos momentos deliciosos sozinha. E o que achei que seria um problema, logo descobri um prazer.
Sozinha, fui à praia e ao rio, comi em restaurantes, tomei sorvete e andei - andei muito. Sozinha até corri (de medo do cemitério que tem na esquina do hostel). E me descobri uma companhia melhor do que imaginava pra mim mesma.
O melhor de tudo, no fim, é a autonomia. Você faz o que quiser na hora que quer e não deve nada a ninguém. Não há aquela pequena pressão de quando você viaja com alguém e precisa montar um roteiro inteiro que faça sentido pra todos os envolvidos.
Essa autonomia, que eu ainda não conhecia, me fez experimentar um outro tipo de liberdade, tão única que eu não consigo nem explicar. Precisa sentir.




Você ainda está aqui
Na minha última noite, eu andava em direção ao hostel com uma colega de quarto, Polly, e disse algo como “aff, não quero ir embora, quero chorar”, no que ela respondeu “não chore, você ainda está aqui”. E não é que era verdade?
Essa frase dela me fez voltar pra realidade e perceber que eu tava gastando as minhas últimas horas em Caraíva pensando no quanto seria triste voltar - mesmo ainda estando lá.
Sabe, eu queria que desde o primeiro dia, tivesse uma voz na minha cabeça dizendo o que a Polly me disse naquela noite.
Você ainda está aqui
Quem sabe assim, o presente tivesse sido um pouco mais palpável pra mim nessa viagem e eu tivesse aproveitado bem mais do que acho que aproveitei.
Bom, cedo ou tarde, alguém me disse exatamente o que eu precisava ouvir. E, então, ao me lembrar de que ainda estava ali, eu tomei todas com as meninas do hostel num samba maravilhoso, dei muita risada, voltei correndo com elas com medo do mesmo cemitério da esquina e posso dizer que aproveitei minha última noite em Caraíva. É o que importa.
O que é que tem do outro lado do muro?
Antes de voltar pra São Paulo, eu passei uma noite em Porto Seguro, num hotel perto do aeroporto. Fiz isso por dois motivos: tava com cagaço de perder o voo e queria ter um tempo num quarto que não fosse compartilhado pra refletir sobre os últimos dias (soy boba, tenho dessas coisas). Foi lá que comecei a escrever esse texto, inclusive.
Quando entrei no quarto de hotel, a primeira coisa que eu fiz foi ter um surto de felicidade e pular na cama ouvindo a mesma música d’O Terno que citei acima. Há tempos não sabia o que era enfrentar um medo, do nada me dei conta e minha reação foi pular na cama. Depois, sentei na frente do computador e comecei a responder a pergunta que o Tim Bernardes continuava me fazendo: o que é que tem do outro lado do muro?
E, bom, do outro lado do muro tinha uma vilazinha mágica no sul da Bahia, um pôr do sol bonito, muitos cachorros, cavalos e bichos-preguiça, um rio gostoso de ficar. Tinham mulheres maravilhosas, cada qual com sua história, todas se abrindo à possibilidade de abraçar a própria solidão. Tinha pastel de camarão cremoso, caipirinha de cacau e tinha coragem. Sobretudo coragem.
Coragem de pegar um avião sozinha e se lançar ao desconhecido, de desgrudar os pés do chão e descobrir o que acontece, de se permitir viver algo pela primeira vez.
Tinha, afinal, a sensação inigualável de encarar um medo, realizar um sonho e, por causa disso, poder pensar: a partir de agora, eu me sinto capaz de qualquer coisa
de encarar qualquer medo
de realizar qualquer sonho
e de ser qualquer pessoa.
Ale, o jeito que você escreve as coisas sempre me pegam de jeito, a sensação que eu tenho lendo os seus textos é que compartilho minha alma contigo, é a paz de encontrar alguém que consegue compreender quase todas as minhas inquietações, o bálsamo de não me sentir tão a margem do mundo, as vezes eu choro lendo, seus textos sempre me trazem uma reflexão, muitas vezes uma que não quero, não que ela não seja necessária, porque é, mas o medo me faz volta e meia desviar até de mim mesma. Alguém disse uma vez que quase tudo que podemos precisar está do outro lado do nosso medo, do outro lado do muro Ale, agora seu texto faz eu me perguntar, se eu for com medo mesmo, o que eu vou encontrar do outro lado do muro?
Alê, amei seu texto 🥰 Foi massa te conhecer em Caraiva rindo do medo.