eu estava com minha prima e nossos namorados, conversando sobre a vida num rio que tinha atrás da casa que alugamos pra passar o último carnaval, em são sebastião.
“por exemplo, é quase impossível não pensar em nada”, alguém comentou. “quando eu quero pensar em nada, eu imagino uma parede preta escrito nada”, disse victor, meu namorado. “mas aí você não tá pensando em nada, tá pensando numa parede escrito nada”, eu o refutei com o argumento que sempre uso quando ele me vem com esse papo de parede. “pra pensar em nada, você precisa olhar pra um objeto e prestar totalmente atenção nele, sem levar o pensamento pra nenhum outro lugar”, comentou minha prima.
e aí, sem nenhum combinado prévio, cada um de nós passou a olhar fixamente pra uma pedra aleatória, na intenção de pensar em nada e testar a teoria.
“eu não consigo”, fui a primeira a cortar o silêncio. nos primeiros segundos até rolava ficar prestando atenção na pedra, mas logo era interrompida por um pensamento aleatório que não tinha nada a ver com o momento presente - e a pedra virava outra coisa.
minha dificuldade de conexão com o presente não é algo novo. desde criança, tenho esse superpoder - o de transformar pedras em outras coisas. eu coloco tanta energia em inventar cenários que alguns deles já até se desenvolveram, tipo o enredo de uma novela.
por exemplo, quando eu era criança, inventei uma realidade em que eu era Letícia - a melhor cantora do mundo inteiro. minha brincadeira favorita era imaginar sua vida. eu pensava em tudo: na sua rotina, nas roupas que usava, nas músicas que cantava, com quem se envolvia, como era seu cabelo e sua personalidade.
conforme fui crescendo, Letícia foi crescendo junto. às vezes, me pego continuando a história dela dentro da minha cabeça. a título de curiosidade, Letícia hoje vive sozinha numa fazenda isolada, totalmente longe dos holofotes, e dedica sua vida a salvar animais de rua e fumar maconha.
hoje entendo que a dissociação foi um mecanismo de defesa que eu desenvolvi na infância pra fugir da minha realidade. acontece que eu cresci e continuo fugindo. e levar a vida desse jeito acaba com toda a solidez da existência. você percebe que não se lembra de longos períodos do seu passado, que não sabe dizer se algumas memórias são reais ou foram inventadas, que várias partes da sua vida são apenas um borrão.
e isso é muito cruel.
mas nem tudo está perdido!!
vocês sabem (se não sabem, estão prestes a descobrir) que eu, apesar de desiquilibrada, descompensada e um pouco deprimida, nunca deixo de acreditar na vida. enquanto estou viva, sei que posso melhorar como pessoa - e isso é o que me faz acordar todos os dias e não me jogar da sacada da minha casa. portanto, aqui vai um pouco de luz.
na semana passada, eu assisti uma entrevista da Lúcia Helena Galvão no programa do
que mudou a minha vida.logo no começo da conversa, a mulher já me deu essa lapada:
“Carl Jung usava uma expressão que é “corpo e mente juntos”, isso é algo que a gente quase não consegue mais hoje. O corpo está num lugar e a mente está em dez lugares diferentes e você não sabe nem dizer onde ela esteve, de tão dispersa que está. É claro que pra compreender alguma coisa, pra vivê-la em profundidade, você tem que estar inteiro diante dela. Cada momento presente te oferece muito de aprendizado, muito de crescimento. A vida é inteiramente pedagógica. Quando eu estou fugindo do momento presente, é evidente que é como se eu fosse um aluno que faltou na aula de hoje, vou perdendo as lições que a vida me oferece.”
depois de ouvir isso, tive o que chamo de momento de compreensão total do mundo, que é quando algo faz tanto sentido pra mim que eu me sinto como se tivesse acabado de simplesmente entender tudo. depois eu sempre acabo percebendo que continuo sem entender nada, mas é certo que esses momentos sempre me dão uma dose a mais de lucidez. e eu não tô podendo negar lucidez.
esse trecho da Lúcia Helena, por exemplo, surge na minha cabeça várias vezes ao dia, sem sacanagem nenhuma. eu até já decorei ele. toda vez que eu percebo que estou dissociando, procrastinando ou fugindo da realidade de alguma maneira, essa frase me vem na minha cabeça e eu dou um jeito de me devolver à vida.
eu não quero ser um aluno que falta na aula de hoje, não quero perder as lições que a vida me oferece. elas são minhas.
depois é depois
tem uma cena de Dias Perfeitos, filme do Win Wenders, em que o personagem principal está com sua sobrinha observando a paisagem de cima de uma ponte. em dado momento, a menina aponta para o outro lado do rio e pede para que seu tio a leve lá. “depois nós vamos”, o tio responde. “e quando é esse depois?”, ela questiona. “depois é depois, agora é agora”, o tio responde.
depois é depois, agora é agora.
o agora é o único momento em que nós podemos tomar uma atitude. nem antes, nem depois, só no agora é que se constroem e se destroem coisas. é só agora que a vida existe. quando fugimos do agora, tiramos de nós mesmos a única coisa que temos de verdade. e isso é muita crueldade porque a vida é finita e passa muito rápido, ela merece ser observada por olhos que entendam o seu tamanho.
o segredo do mundo
num desses meus momentos de compreensão total do mundo, eu reparei (sozinha!!!) que o segredo de tudo é fazer uma coisa atrás da outra. quer dizer, não só fazer, mas prestar atenção no que se faz, se concentrar nas pedras que estão na sua frente.
“pense em como seria diferente sua experiência no mundo se você se empenhasse em todas as atividades com a atenção plena que teria para pousar um avião”, li no livro do Rick Rubin. ou seja, as lições da vida estão escondidas na atenção que damos ao presente e na nossa capacidade de compreender que cada momento é tudo que existe.
cada momento é tudo que existe.
pronto. já te contei o segredo do mundo. desfrute do seu agora e até semana que vem.
recado antes de ir embora
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