as pessoas e a presença
sobre a importância de construir laços com pessoas reais no mundo real
Quando me pediram pra voltar ao trabalho presencial há alguns meses, não vou mentir, senti uma leve vontade de morrer. É que sou grande defensora do trabalho remoto e, depois de alguns anos trabalhando exclusivamente nesse formato, aprendi a organizar minha rotina de um jeito que funciona de verdade pra mim. Sou bem produtiva em casa. Além disso, eu demoro quase duas horas pra chegar no escritório e preciso fazer uma das piores baldeações do metrô de São Paulo (ir da linha amarela pra linha esmeralda), ou seja, a volta ao presencial não foi bem uma notícia deliciosa de digerir. Mas como não posso passar a vida inteira me debatendo de nervoso no chão, precisei enxergar os pontos positivos dessa nova fase da minha vida. E, sem dúvida, o principal é o contato humano.
trecho de um diário de quando eu trabalhava 100% remoto:
às vezes não consigo disfarçar a surpresa ao me dar conta de que o mundo, na verdade, tá em silêncio e o barulho que eu tô escutando o dia inteiro são as coisas que eu penso. é sempre uma experiência sair do meu inconsciente e ter um pequeno contato com a vida real. tipo quando eu tô no meio de uma crise existencial e sou interrompida pelo cara do correio gritando meu nome no portão e percebo que acabei de ter a primeira interação com um ser humano no meu dia (…) lembro de quando voltei pra academia não só por prezar pela minha saúde, mas porque percebi que estar cercada de pessoas que têm cada qual sua vida, me lembra que eu também sou uma pessoa e também tenho uma vida. sinto que as estruturas das minhas habilidades sociais ficaram balançadas num nível sem retorno. não lembro quem eu era antes da pandemia.
Apesar de defender o trabalho remoto, preciso admitir que alguns dias eram enlouquecedores, justamente pela falta de contato humano. Hoje reconheço que poderia ter tomado algumas atitudes para que a minha rotina fosse mais leve naquela época, como sair pra trabalhar em outros lugares ou chamar amigos pra trabalhar em conjunto, mas eu não fiz nada disso. Então, minha vida se resumia em acordar, passar o dia inteiro na frente do computador e ir dormir. Tinha pouco contato com o mundo real, conversava com poucas pessoas de verdade - e não lembrava o quanto isso me fazia bem até voltar pro trabalho presencial. Há algo de especial em ser obrigada a sair de casa diariamente para ligar o notebook do outro lado da cidade - ou, pelo menos, eu estou tentando muito me convencer disso.
as pessoas
“O bom do trabalho são as pessoas, né?”, uma amiga me disse depois de termos uma crise de riso no nosso trabalho por algum motivo totalmente corriqueiro. E eu não só concordo com ela, como acredito que há um deus do mundo corporativo que coloca pessoas legais no nosso caminho pra tornar a carga horária menos deprimente. Quando meu amigo do antigo trabalho, Douglas, pediu demissão pra trabalhar como estagiário numa UBS, eu vivi um verdadeiro luto. Era muito triste comer minha marmita sozinha na escada de incêndio, ir sozinha na lojinha de doces comprar um trident depois do almoço e tomar banho de sol sozinha no terraço do trabalho - como uma presidiária que segue em cárcere privado enquanto seu amigo conquistou a tão famigerada liberdade. Atualmente, vivo algo parecido quando meu dia de presencial não bate com o da minha melhor amiga do novo trabalho. Sinto como se meu marido tivesse ido pra guerra. O lugar dela vazio ao meu lado deixa tudo mais dramático.
Inclusive, essa minha amiga, a Jess, foi a única companhia que tive no trabalho durante meses num período terrível da minha carreira. Se não fosse ela, eu não só teria abandonado meu estágio, como também teria me jogado da janela dele. As coisas ficaram bem melhores nesse emprego, inclusive, mas eu não estaria lá pra ver se ela não tivesse passado por essa fase ruim comigo. As pessoas legais que surgem no nosso caminho são sempre as responsáveis por tornar nossa vida melhor (ou menos pior). Sempre. Nada substitui uma boa conversa, um bom amigo, uma boa companhia, uma crise de riso em conjunto. Nada substitui o contato humano.
Me lembro de quando estava passando por um momento bem estressante da minha vida pessoal e, quando já estava acostumada com a ideia de simplesmente me deixar ruir lentamente, marquei de sair pra comer com uma grande amiga minha. A gente conversou tanto sobre esse meu problema que, no fim da noite, ele já não existia. As pessoas que eu amo são assim: me trazem lucidez.
Mas não só elas. Já tive conversas incríveis com senhoras em filas de mercado, cobradores de ônibus ou motoristas de aplicativo, por exemplo. Um dia, tava mega cansada, voltando de um evento que cobri, querendo muito um pouco de silêncio, mas peguei um uber muito bom de papo e não consegui evitar ficar tagarelando com ele no caminho. A conversa foi tão boa que eu saí do carro menos cansada do que entrei. É muito legal como boas trocas nos dão mesmo uma sensação de bateria recarregada. Acho que, por perceber isso, é que tenho levado cada vez mais a sério a preservação dos vínculos com as pessoas ao meu redor.
Eu já acreditei muito na ideia de que crescer é sinônimo de ser solitário ou que os amigos verdadeiros vão diminuindo conforme a idade. Achava bonito, talvez até maduro, não ter tempo para me reencontrar com as pessoas ou mandar uma mensagem pra elas - um discurso meio “amizade de baixa manutenção”. Mas percebi que estava me afastando de pessoas que realmente amo por pura negligência, ou seja, esse racional era o primeiro passo para a deterioração das minhas relações.
As redes sociais têm uma certa culpa nisso também. Elas nos fazem ter a sensação de que continuamos próximas das pessoas mesmo sem vê-las frequentemente, afinal, sabemos tudo que elas estão fazendo. E isso é perigoso, porque o amor nunca vai deixar de ser presença. Claro, a vida corrida de gente grande nos impede de ver e falar com as pessoas que amamos com a frequência que gostaríamos, mas se queremos manter essas pessoas por perto há sim a necessidade de um esforço, uma manutenção. Ao contrário, a interação mais sincera que você terá com elas são curtidas em stories. Seus amigos vão virar algoritmos.
Alguns dias atrás, escrevi essa frase no meu caderno:
O barulho do portão da minha casa abrindo significa que, em alguns segundos, minha mãe vai bater na porta do meu quarto e perguntar como foi meu dia. Significa que meu namorado está colocando o carro na garagem pra passar mais um fim de semana comigo. Significa que meu irmão chegou com meu sobrinho e vou poder cheirar o pescocinho de um bebê gorducho. Significa que meu pai veio passar o dia, minha cunhada chegou do trabalho, meus tios vieram para o almoço, minha casa segue viva - com movimento, conversa, vidas reais acontecendo num mundo real.
Lembrei de uma frase que li num livro: mesmo a realidade mais medíocre tem a imensa vantagem de existir.
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essa foi a newsletter semanal mundinho ale br, o diário virtual de uma pessoa que nunca superou nada na vida e tem uma relação complexa com exatamente todas as coisas do mundo. alessandra santos, a pessoa em questão, além de ser uma escritora profissional de diários, é mais ou menos uma artista, quase uma jornalista e, às vezes, uma tiktoker. também tem dificuldades de se autodenominar. ela se concentra apenas em viver dias em sequência dentro de seu mundinho - o ale br. se você gostou dessa edição, comente, se inscreva, fique, me dê a honra de decorar sua caixa de e-mails com groselhas toda segunda à noite. se não gostou, ok, vou superar.
um beijo e até a próxima.
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ale eu amo sua news, mas pra mim algo que deixa ainda mais especial sao as suas narrações !!!!
tem cinco anos que eu trabalho remoto e me identifiquei muito com o que você escreveu, parece até que saiu de mim!